"E alegre se fez triste" de Manuel Alegre (1967)

Aquela clara madrugada que
viu lágrimas correrem no teu rosto
e alegre se fez triste como se
chovesse de repente em pleno Agosto.

Ela só viu meus dedos nos teus dedos
meu nome no teu nome. E demorados
viu nossos olhos juntos nos segredos
que em silêncio dissemos separados.

A clara madrugada em que parti.
Só ela viu teu rosto olhando a estrada
por onde um automóvel se afastava.

E viu que a pátria estava toda em ti.
E ouviu dizer adeus: essa palavra
que fez tão triste a clara madrugada.

in O canto e as armas, D. Quixote, 2017, p. 61.

  •  tradução do poema para francês

Et la joie devint tristesse


Cette aube ensoleillé qui
vit des larmes couler sur ton visage
et qui heureuse devint triste comme
s’il pleuvait soudain en plein mois d’août.

Elle seule vit mes doigts dans tes doigts,
mon nom dans ton nom. Et elle vit
nos yeux s’attarder, unis dans les secrets
que dans le silence nous échangeâmes à l’écart.

L’aube ensoleillée où je partis.
Elle seule vit ton visage regarder la route
sur laquelle s’éloignait une automobile.

Et elle vit que la patrie tout entière était en toi.
Et elle m’entendit dire adieu : ce mot
qui rendit si triste cette aube ensoleillée.



a) Apresentação da obra
E Alegre se fez triste  é um soneto constituído por duas quadras e dois tercetos. O seu esquema rimática é abab cdcd efg efg.
O sujeito poético recorda o momento em que deixou a sua pátria, e quem amava
Notamos vários recursos estilísticos: a personificação da madrugada que “de alegre se fez triste”, que “ viu lágrimas correrem no teu rosto”; a antítese “e alegre se fez triste”, “em silêncio dissemos”; a comparação “como se chovesse de repente em pleno agosto”; a aliteração em “s” “ viu nossos olhos juntos nos segredos / que em silêncio dissemos separados”; a metáfora “e viu que a pátria estava toda em ti”

b) Justificação do título
O título deste soneto corresponde também ao início do terceiro verso do poema e também encontra um eco no último verso, este sendo muitas vezes considerado como a chave explicativa do soneto.
“E alegre se fez triste” é uma frase importante que resume, através de uma antítese, os sentimentos opostos pelos quais passam o eu lírico e a amada, a alegria e a tristeza, dois sentimentos tão fortes que a própria natureza, a própria madrugada deixa de se sentir alegre para se sentir triste.
Esta frase e este título dizem a dor da separação, da emigração e do exílio, a dor de todos aqueles que partiram deixando atrás deles a(s) pessoa(s) que amavam e a sua querida pátria sem saber quando as voltariam a ver, mas também a dor dos que ficaram e que sentiram tristeza porque com “o automóvel [que] se afasta” naquela estrada também se afasta quem lhe dava alegria...
A madrugada torna-se uma espécie de testemunha desta separação dolorosa. Sente compaixão por estes seres que a vida obriga a separarem-se e partilha os seus sentimentos, o adeus de quem parte fazendo “triste a clara madrugada”.
Para mim, é este o significado do título e acho que é um título particularmente bem escolhido porque resume bem a mensagem do poema. É lindo, forte e muito sugestivo.

c) Identificação da mensagem que o autor pretende veicular.
Através desta situação particular expressa pelo sujeito lírico, esta cena em que um “eu” se despede de um “tu”, certamente duas pessoas que se amam, como o sugerem as imagens de ternura dos “dedos nos teus dedos”, dos “nossos olhos juntos nos segredos”, é finalmente a separação de todos os casais, de todas as famílias que evoca o poeta. É a dor universal dos que deixam quem amam, dos que deixam a pátria, mas também a dor de quem fica, só.
Este poema comove o leitor e de uma certa maneira revolta-o: situações políticas e económicas levaram e levam ainda hoje a este tipo de situação, criando estas cenas dolorosas. Podemos considerar que não é normal, que não é justo alguém ter de deixar seus país e sua família.


d) Identificação das características da emigração portuguesa.
Nesto soneto, vários elementos podem apontar para o tema da emigração portuguesa.
Quando lemos este poema, podemos recordar imagens que fazem parte da nossa história familiar. Muitos de nós têm um bisavô, um avô ou um pai que também deixou sua aldeia em Portugal, numa “madrugada, ”num “automóvel” (v. 11), e que viu “lágrimas correrem” (v. 2) no rosto de seus pais, de sua esposa, de seus filhos...
E quando a vida permite a estes homens voltar de férias a Portugal, no lindo mês de “Agosto” (v. 4) que tantas canções populares sobre a emigração portuguesa celebram, é no fim deste mês de Agosto que surgem novamente estas dolorosas cenas de despedida: o emigrante vé chorar e chora ao deixar a sua família e sua pátria (v. 12). E mesmo se o sol brilha no céu de Agosto, é como se as lágrimas fossem chuva, é “como se chovesse de repente em pleno Agosto” (vv. 3-4). E de repente “ a alegria se faz tristeza”...


e) Identificação da atualidade da mensagem.
Infelizmente, a mensagem deste poema continua atual. Ainda, hoje muitos portugueses deixam Portugal e partem para outros países à procura de melhores condições de vida, de um melhor emprego ou de um emprego mais rentável. E esta situação atinge igualmente outros países do mundo... Para alguns, não se trata só de deixar o país mas de fugir para não morrer. De facto, alguns seres humanos têm que deixar a sua pátria por causa da guerra, porque são perseguidos, porque a sua própria vida está em perigo e partir é a única solução... Apesar disso, deixar o solo que nos viu nascer e em que estão as nossas raízes é sempre uma dilaceração, como o diz este soneto.

f) Esquematização das ideias da obra.


g) Escolher uma imagem caracterizadora da obra, da sua mensagem, da emigração.

 
https://www.pinterest.fr/pin/604889793676224766/, 10:20, 2-6-2019


h)Elaborar duas questões sobre a obra baseadas no conteúdo do cartaz


1- Neste poema o sujeito lírico reflete sobre a pátria?
2- Neste poema a madrugada é personificada para testemunhar a morte de um casal?


  GR & HC



c)
 
 

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