ENTREVISTAS A ESCRITORES

Entrevista a Nuno Gomes Garcia,
autor do conto
«O Sobrinho»


https://images.wook.pt/getresourcesservlet/GetResource?/DhN/AoLmLvujn0lC4FTj7vn28aRrODKtbogY3JhWiA=, 19:26, 12-6-2019.

1-    O que pretendeu com este conto metafórico? Por que motivo não referiu diretamente portugueses e franceses preferindo falar de cebolas e de cenouras?

Pretendi essencialmente duas coisas. Primeiro, quis criar um certo distanciamento emocional em relação à realidade concreta, tanto para mim, durante o processo criativo, como para o leitor durante a leitura. Segundo, pretendi evitar o recurso a nacionalidades e a etnias para que o leitor, ao fazer esse exercício metafórico, como diz, possa constatar como é ridículo e mesquinho odiar ou desprezar alguém só porque vem de um local diferente ou tem uma cultura e uma religião distintas da nossa. Desse modo, com legumes no lugar de humanos, nós podemos verificar como essa tentação de dividir a humanidade em grupos, além de ser aleatória e anticientífica, é essencialmente estúpida.
Por outro lado, embora eu seja o primeiro membro da minha família a viver fora de Portugal e de ter vindo para França já depois dos trinta anos de idade, a temática da emigração exerceu sempre em mim um certo fascínio e sempre me conduziu à reflexão. O multiculturalismo, o facto de conhecermos em profundidade duas, três, quatro culturas, idiomas, literaturas, etc., além de nos enriquecer enquanto pessoas, é uma etapa essencial para a construção de um mundo melhor e de maior tolerância. Esse é o lado positivo da emigração.
A emigração contemporânea, nesse sentido, é um fator importantíssimo e que, por isso mesmo, sempre me interessou. Lembro-me por exemplo de um texto sobre isso que escrevi para a Revista “Seara Nova”. (http://www.searanova.publ.pt/pt/1724/nacional/432/).
Eu preferi então evitar falar de “portugueses e franceses”, apesar de, naquele mundo de vegetais ser evidente para o leitor quem é quem. Essa estratégia, além de me ter ajudado ao tal distanciamento, levou-me também a fugir ao que já suspeitava serem os contos dos colegas com quem partilho a coletânea. São textos excelentes, pertinentes, mas eu desejei fazer algo diferente.
Mas devo admitir que a inspiração adveio de uns desenhos animados que os meus filhos veem às vezes, o “Cipollino”, que é uma adaptação soviética de uma história italiana. Os personagens são vegetais antropomorfizados envolvidos numa espécie de alegoria que representa a luta de classes. Esta abordagem todavia está longe de ser original, basta pensar no “Triunfo dos Porcos” do Orwell.

2-    Quando refere a vinda do casal formado por Imaculada e Pacífico para França não indica claramente a época em que vêm. A mulher vem depois do marido e sabemos que depois de uma revolução. Estava a pensar no 25 de abril ao referir essa revolução?

Sim, é claramente o 25 de Abril. O meu objetivo foi também o de mostrar o quão poderosa e efetiva foi a lavagem cerebral que a propaganda do Estado fascista exerceu sobre os portugueses ao longo de 48 anos. Ao ponto de pessoas como a Imaculada, condenada pelo regime salazarista a uma pobreza extrema que se queria perpétua, encarar a Revolução libertadora do 25 de Abril e a Democracia como perigos que lhe poderiam roubar o pouco que tinha. A sociedade portuguesa da época, por culpa do regime, era de uma maneira geral muito muito ignorante.

3-    Se estava a pensar no 25 de abril quando refere a Revolução, por que motivo veio Imaculada depois dessa data já que a emigração em massa do século XX ocorre antes da Revolução dos Cravos?

A emigração maciça terminou exatamente com a Revolução, embora tenha tido um recrudescimento no período 2011/2015. Todavia, não nos podemos esquecer que a emigração é desde o século XV, com a expansão portuguesa para fora da Europa, um fator estruturante da demografia e da sociedade portuguesas. Não apenas por motivos económicos ou de exílio politico, mas também, a meu ver, por ser um elemento essencial da mentalidade portuguesa, que é bastante individualista. Este desejo de partir deve-se ao facto de Portugal, que é um território exíguo, se ver aprisionado por dois oceanos. A ocidente temos o oceano Atlântico e a oriente o “oceano” espanhol. A abertura ao mundo tão caraterizadora dos portugueses creio que advém daí.
Não nos podemos esquecer, contudo, que em muitos casos, essa “abertura” ao mundo conduziu a verdadeiras catástrofes globais. Esse é o lado negativo da nossa emigração. Nós deveríamos, enquanto povo e velha nação, fazer uma autocrítica histórica, mas não a fazemos. Não compreendo porque não a fazemos. Devemos assumir que os portugueses, durante essa grande e longa vaga emigratória durante o período imperial, foram precursores da escravatura transatlântica, da colonização exploradora da qual os países africanos, por exemplo, ainda não recuperaram, da imposição pela força da cultura europeia e da religião cristã a povos que não as queriam e que tinham as suas próprias religiões e culturas. Portugal deveria assumir a responsabilidade histórica dessas catástrofes e, de certa forma, expiar essa culpa, libertando assim as futuras gerações desse fardo.   

4-    Os nomes que deu aos três protagonistas – Imaculada, Pacífico e Cândido – foram intencionais? Procurou designá-los desta forma irónica para nos levar a refletir sobre os seus diferentes carateres?
Sim, a ironia foi intencional. Desejei com isso criar um contraste entre a vivência difícil dos personagens, os preconceitos que os contaminam e o nome quase celestial que carregam.

5-    A imagem que dá do mundo da emigração neste conto não é das mais positivas - materialismo, exploração, racismo – e quando parecia que estávamos a chegar a uma nota positiva (a Tia Imaculada pronta para ajudar o sobrinho) eis que nos troca as voltas e o Cândido fica paralítico. O leitor sai do conto “de rastos”. Era isso que pretendia?

Como já disse anteriormente, a emigração portuguesa tem duas vertentes históricas. Uma inicial, que durou séculos, e que serviu as pulsões colonizadoras de Portugal, submetendo os povos africanos, ameríndios ou asiáticos. E, outra, mais recente, do século XX, em que se verifica o contrário, ou seja, a exploração laboral dos emigrantes portugueses no Brasil, em França, na Alemanha, etc. Exploração muitas vezes levada a cabo por portugueses “de cá” sobre outros portugueses, aqueles que vêm “de lá”. Isso verifica-se neste conto.
Mas, pensando bem, nenhum dos meus romances tem um final feliz. Mesmo como leitor, eu não gosto de finais felizes, pois eles limitam-se a criar uma sensação de felicidade efémera e não conduzem à reflexão.
No meu primeiro romance, “O soldado Sabino”, o canibal, o anti-herói da obra, sobrevive à Grande Guerra e continua a matar, acentuando a matança no final e levando-a a outro nível, visto começar a matar crianças. Em “O dia em que o Sol se apagou”, que se passa no fim do século XV e explora uma catástrofe fictícia em Portugal: o desaparecimento do Sol. Apesar de todas as tentativas para fazer regressar o Sol, o país definha sem a luz solar até desaparecer. Em “O Homem Domesticado”, o protagonista descobre a verdade, liberta-se momentaneamente, mas o livro termina com ele novamente agrilhoado à submissão inicial.
A nossa sociedade está muito focada nos prazeres rápidos e passageiros e às vezes não tem tempo para pensar em coisas sérias, e negativas, como o materialismo desenfreado que está a matar o planeta e a destruir a solidariedade social, ou a exploração laboral do trabalhador cambojano que nos cose as sapatilhas de marca, ou o racismo biológico que agora se disfarçou e se eufemizou em culturalismo e que vai despedaçando as nossas sociedades. Eu utilizo o que escrevo para, ao mesmo tempo que tento entreter e divertir o leitor, o alertar para certos problemas. Alguns colegas não concordam com esta abordagem, por acharem que é a arte pela arte que deve reger a Literatura. Eu acho que o escritor é muito mais do que um mero entertainer. O escritor, por viver na “polis”, na cidade, é também um agente politico e por isso deve ter, na verdadeira aceção da palavra, uma intervenção política.
Enfim, não quero que o leitor saia de “rastos”, mas quero que saia alertado para o facto de existirem elementos racistas no seio da nossa comunidade. Ninguém precisa de ser alertado para as coisas boas ou positivas.     

6-    Contou as histórias das duas vagas emigratórias portuguesas através de analepse e por alternância. O que procurou com essa estratégia narrativa?

Todos os meus romances se baseiam na analepse e na alternância. Este conto padece desse “hábito”. Esse meu registo pretende dar, no caso das analepses, maior espessura psicológica aos personagens atribuindo-lhes um passado distante. A vida de um personagem não começa quando ele aparece no livro, começa antes. Quando conhecemos uma pessoa nova e se quisermos aprofundar com ela uma amizade é inevitável que falemos dos respetivos passados. O leitor tem o direito de conhecer o passado dos personagens para que se possa identificar, criar empatia com eles.
A alternância, por sua vez, serve para dar mais do que uma perspetiva da história. Considero que essa alternância a enriquece. Eu gosto de narrativas lineares quando leio biografias ou obras historiográficas. Já quando leio romances que seguem uma linha cronológica toda certinha aborreço-me de morte. A facilidade de uma leitura linear deixa-me intelectualmente frustrado. E como eu escrevo o que gostaria de ler…

7-    Pode explicar-nos o título que deu ao conto? Quer que o leitor centre a sua atenção no sobrinho Cândido? Não lhe parece que o trajeto dos tios é igualmente importante na sua história?

O sobrinho é o elo de ligação entre o passado e o presente de Imaculada. Através do que aconteceu ao Cândido – a pobreza que o obrigou a emigrar e o ataque xenófobo de que foi vítima – Imaculada revive o seu passado distante, a pobreza da juventude, e aprende de maneira dolorosa que ela própria é estrangeira naquela terra e que não se deve julgar mais importante do que um beterraba ou uma batata. Um emigrante que ataca ou explora outro emigrante, um pobre que se vira contra outro pobre com medo que ele lhe roube o trabalho, por exemplo… esses são atos perniciosos que impedem o progresso civilizacional e podem, pelo contrário, conduzir a um retrocesso.

 (Entrevista realizada por email a 12-6-2019
ao escritor Nuno Gomes Garcia
que autorizou a sua publicação)

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Entrevista a Robin Walter,
autor do romance gráfico
Maria e Salazar

1- O tema principal do seu livro é a imigração portuguesa. Gostaria de viver em Portugal?
Na verdade, nunca pensei nisso porque sou muito feliz em França. Gosto de viajar, mesmo se não viajo tanto quanto desejaria. Viajo muito mais com os livros, com os filmes e com a cultura em geral. Gosto da ideia de me considerar “cidadão do mundo”, algo que se desenvolve obviamente viajando mas sobretudo cultivando-nos. Detesto todas as ideias que levam as pessoas a fecharem-se ao outro e que vemos, infelizmente, espalhar-se atualmente um pouco por todo lado. É preciso ter muito cuidado. A paz e a democracia são frágeis, estamos habituados a isso na Europa o que é muito mais perigoso. Ser aberto aos outros não nos impede em nada de sermos apegados à nossa cultura local. As nossas próprias raízes são importantes. Dou uma grande importância ao facto de gostar do meu país, da minha região, da minha cidade, do meu bairro e da minha casa. E parece-me importante conhecer a história dos nossos pais e dos nossos avós.

2- Porque decidiu contar esta história? A sua história e a dos seus familiares?
Eu conheço a Maria desde sempre. Ela ensinou-me a amar este país. Quando me tornei adulto e contador de histórias, eu sabia que, um dia, a história da Maria seria o tema de uma das minhas bandas desenhadas. A venda da casa dos meus pais, que é o fio condutor da história de Maria e Salazar, foi o detonador. Estava na hora certa para a escrever.

3- Antes de publicar o seu livro, fê-lo ler às pessoas que o ajudaram com os testemunhos recolhidos?
Eu mostrei as pranchas à Maria e ao seu marido Manuel. Às vezes a amigos meus que vinham à minha casa. Mas não os fiz ler o meu livro. A Maria disse-me várias vezes que confiava inteiramente em mim e que eu podia fazer tudo o que quisesse. Quando lhe mostrei as pranchas, ela ficou contentíssima e disse-me mais uma vez que confiava em mim, sem desejar forçosamente ler uma versão intermédia do livro.

4- Os nomes dados às personagens são os nomes verídicos das pessoas que estão por trás deles?
Sim, eu não tinha razão nenhuma para trocar os nomes. Se a Maria e o Manuel têm nomes muito clássicos para os portugueses, isso não foi inventado por mim. E os nomes da minha família e dos meus amigos são igualmente os nomes verdadeiros deles. Se não alterei os testemunhos que recolhi, não havia razão nenhuma para alterar os nomes dos seus autores a partir do momento em que o que disseram não os incomodava que fosse divulgado.

5- A especialidade de Maria eram as batatas fritas. Esse prato era unicamente composto de batatas fritas ou tinha mais ingredientes?
Hahaha! Mas eu não posso divulgar assim o segredo da Maria!!!
Isso diverte-me muito porque o assunto das batatas fritas vem sempre à tona nas discussões
Isto diverte-me muito porque este assunto das batatas fritas surge várias vezes nas conversas que tenho com os leitores.
Na verdade, não há segredo nenhum. Ela fritava as batatas fritas cortadas, em óleo, numa panela. (Ela guardava o óleo num recipiente para a vez seguinte).

6- A Maria aprendeu a falar francês graças aos programas de televisão. Ela falava bem o francês?
De fato, a Maria começou a aprender francês com a televisão. Mas depois, como qualquer estrangeiro em qualquer país, foi o tempo e as conversas com os outros que a levaram a progredir. Não tenho memória dela ter dificuldades em exprimir-se. E as minhas primeiras lembranças datam de quando eu tinha 5 ou 6 anos, na altura ela já estava em França há uma boa dúzia de anos. É claro que tinha, e continua a ter sotaque, mas ela fala muito bem o francês.

7- Quando era nova, a Maria conduzia tratores. Impressionou-o que tenha passado do trator para as limpezas?
É o seu percurso todo que me impressiona! A sua infância, que contrastava com a minha, a decisão que ela tomou com o Manuel de deixar o seu país, de tentar a aventura num país que eles não conheciam, com uma língua desconhecida.

8- Quando foi ao bairro de lata uma criança pensou que o senhor era da PIDE. Os residentes do bairro de lata sabiam que a ditadura salazarista tinha terminado?
A cena no bairro de lata é particular. A “viagem” que lá faço não é real. É uma viagem através do tempo que ponho em cena nessas páginas. No começo da cena, estou num parque na zona do bairro de lata. Mas há já 40 anos que ele não existe. Portanto, não encontrei realmente essas crianças. São as leituras, os testemunhos, os documentários que me permitiram criar essas crianças. E a ditadura ainda não tinha acabado na época desses bairros de lata. As crianças tinham medo dos agentes da PIDE que, às vezes, vinham realmente aos bairros de lata franceses.

9- Porque decidiu não ficar com a casa da sua infância? Sabendo que tinha muitas recordações dela...
Unicamente por razões financeiras. Os meus pais precisavam de a vender para se instalarem na montanha e eu não tinha o dinheiro para lhes comprar a casa nem para a manter. É preciso saber virar a página.

10- Se tivesse vivido na mesma altura em que Maria viveu em Portugal, pensa que podia ter ultrapassado todas as dificuldades que ela viveu e vivido num bairro de lata?
É impossível responder a essa questão. Hoje sou quem sou, com a minha história, a minha educação, a minha cultura, etc… Se tivesse nascido em Portugal sob a ditadura de Salazar, teria tido uma outra cultura, uma outra educação, resumindo, seria um outro homem. Quando se estuda História, nunca devemos esquecer que o fazemos com uma distância e uma visão das coisas que não tinham as pessoas da época. Isso é válido para todas as épocas e para todos os países. Por exemplo, em França, durante a segunda guerra mundial, alguns resistiram ao invasor alemão e outros colaboraram. Gostaríamos todos de acreditar que teríamos resistido, mas a verdade é que é impossível saber o que teríamos feito.

11- A Maria e o marido voltaram a Portugal quando se reformaram? O seu romance gráfico é verdadeiramente fiel à realidade?
Tudo o que eu conto no meu livro é real. A Maria e o Manuel voltaram de facto para Portugal. O Manuel já estava na reforma há alguns anos e estava à espera da reforma da esposa. Ele preparou o regresso e partiram logo no dia a seguir ao último dia de trabalho da Maria!

12- Para si, a Maria é uma pessoa importante, cresceu com ela. Que lugar ocupa ela realmente na sua vida? A cultura portuguesa acaba por estar igualmente presente na sua vida através da Maria?
Sim, a Maria é uma pessoa importante para mim. Tenho muito afeto por ela. E certamente mais ainda depois de ter escrito este livro, porque me permitiu consolidar um pouco mais os laços afetivos que tinha com ela e com a sua família. Os seus filhos são meus amigos. Nós estamos em contacto regularmente uns com os outros como fazem as pessoas que se apreciam mutuamente. A cultura portuguesa está presente na minha vida através da Maria, mas também através de vários amigos de origem portuguesa.

13- Foi difícil escrever este romance gráfico? Escrever sobre a sua própria vida trouxe-lhe boas recordações?
Escrever sobre a venda da casa familiar, mergulhando nalgumas recordações permitiu-me virar a página mais facilmente. Quando recolhi os testemunhos da Maria, do Manuel e dos meus amigos, e quando terminei todas as minhas leituras e de ler toda a documentação sobre o assunto, foi necessário refletir sobre o modo como iria contar toda a história. Como iria unir todos os assuntos que queria tratar (a história da Maria, a História do Portugal de Salazar, as problemáticas que encontram as gerações seguintes, as relações com outras vagas de imigração...). E acabei por optar pelo formato do documentário. Seria eu, o meu personagem que iria ligar todos os assuntos. Tinha por isso que começar a história explicando a relação que tinha com a Maria. Era a minha casa. 

14- Intitulou o seu romance gráfico Maria e Salazar. Qual foi a reação da Maria e do marido ao seu romance? Por que não ter incluído o nome de Manuel no título?
No início, o título do meu livro era «Maria, Salazar e eu» que mudei para «Maria, Salazar e o Marechal Lyautey». Esse título misterioso agradava-me. O Marechal Lyautey era o nome da rua da minha casa. Mas a minha editora tinha receio que fosse demasiado misterioso e que perdêssemos potenciais leitores. Com um título mais curto, focalizávamos mais sobre o tema, e ela tinha razão. Maria, e o marido também, estiveram sempre muito entusiasmados com o projeto deste livro e nunca ficaram dececionados, bem pelo contrário. A Maria gosta muito do meu livro e fá-lo ler a todos os seus amigos e na sua família obviamente. É importante para mim. Quando recebi a foto do meu neto de 15 anos lendo a BD, fiquei muito comovido, porque faço este género de livros para isso mesmo: para transmitir. Muitas famílias de origem portuguesa apropriaram-se da minha BD para transmitir as suas histórias às suas famílias ou para falar com os pais ou com os avós sobre as suas experiências pessoais. Estou muito orgulhoso por permitir a alguns conhecer melhor as suas origens, a história dos seus pais ou dos seus avós. Já tinha vivido isso com a minha obra KZ Dora, sobre a deportação dos resistentes durante a Segunda Guerra Mundial, baseada na história do meu avô.

15- Gostaria de escrever a continuação do seu romance gráfico?
Não, não tenho intenção de continuar a história. Disse o que tinha a dizer no que diz respeito à imigração portuguesa em França. Farei talvez outros livros neste formato de documentário, e a minha personagem e a minha família voltarão, mas sobre outro assunto. A Maria e Portugal não estarão mais no centro das minhas pesquisas. O meu próximo livro é uma biografia. Não será um documentário. Todavia, eu conto em paralelo à história de uma viagem que fiz à Arábia Saudita em janeiro de 2018 num sítio internet (Ernestmag.fr) e aí coloco-me de novo em cena. É de certa maneira uma reportagem em BD.

16- Nesta entrevista referimos a sua obra como sendo um romance gráfico. Incomoda-o esta designação? Preferiria que usássemos a designação «banda desenhada»?
Eu faço Banda Desenhada. A Banda Desenhada é uma arte ao mesmo título que o é a fotografia, a literatura, o cinema e o teatro... As mangas, as bandas desenhadas americanas (comics), as bandas desenhadas franco-belgas (como o Tintin, o Astérix...), tudo isto é Banda Desenhada. A expressão “Romance gráfico” foi criada por Will Eisner, um americano, numa época em que a Banda Desenhada era o suporte de uma cultura juvenil ou de divertimento. Ele quis assim insistir sobre o facto de ter criado uma obra que não pertencia nem ao divertimento nem à cultura juvenil. 
Hoje, a expressão “Romance gráfico” é utilizada pelos livreiros e pelos editores para arrumar certas Bandas Desenhadas em “prateleiras para adultos”. Muitas pessoas têm definições diferentes de “Romance gráfico” tendo em conta o formato, o número de páginas, o estilo de desenho, e o tipo de temas... Para mim, é-me indiferente que se fale dos meus livros como sendo BD ou como sendo “Romance gráfico”. Em contrapartida, não gosto de ouvir falar do “Romance gráfico” como sendo um género particular, mais interessante, mais inteligente do que a BD. É preciso conceber a BD como um meio muito rico, muito diversificado pode adotar numerosas formas editoriais. 

(Entrevista realizada por email a 9-6-2019
ao escritor Robin Walter
que autorizou a sua publicação –
a tradução do original francês
foi feita pelos alunos
sob a orientação da professora)




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Entrevista a José Luís Peixoto,
autor do romance
Livro 

https _trendy.pt_wp-content_uploads_2018_03_Jose-Luis-Peixoto-Bic, 9:03, 9-6-2019.

1- Como é que o Livro personagem pode estar a escrever o livro que estamos a ler que é a obra que o pai Ilídio deu à mãe Adelaide sendo que o livro é a história do pai? Ou será que podemos ver na sua obra dois livros? A primeira parte seria o livro escrito por Cosme, oferecido ao Livro no Natal tanto pela mãe como pelo próprio Cosme (nela se narra a história de Ilídio, o pai de Livro); e a segunda parte seria então o livro escrito por Livro onde este narra a sua vida adulta, tanto em França como em Portugal, quando se dá a revelação da identidade do pai, quando atropela a avó paterna sem nunca o saber? (DP)
 
2- Por quê dar como nome a uma personagem ‘Livro’? (MT)

3- Quem é o homem morto na mala? (GC+AP+MT)

4- Quando lança a obra LIVRO tem 36 anos como o personagem Livro. Podemos dizer que esta obra é algo autobiográfica?

5- O romance Livro narra a história de várias personagens que emigram para França no século XX. Ao escrever esta obra, inspirou-se em momentos-chave da sua vida pessoal que o marcaram e que achou importante e que queria partilhar com os leitores? (LF)

6- Identifica-se com alguma personagem do livro? Qual? Em que aspetos? (LF)

7- O que lhe deu a inspiração de fazer com que Livro ordene seus livros em função da “penugem facial” dos escritores (p.214)? (CR)

8- Porque razão é que decidiu não identificar claramente a identidade do pai do Ilídio? (HC)

9- O facto de o Livro ter nascido pouco tempo depois da revolução dos cravos pode ser considerado como uma metáfora do fim da censura? (HC)

10- Por que razão é que a mãe e o avô do Ilídio são muitas vezes chamados “a amiga do padre” ou “Aquele da Sorna”, e não pelos seus verdadeiros nomes? (LM) 

11- Ter uma obra sua estudada em escolas é motivo de orgulho para o senhor? Como é que se sente relativamente a isso? (GC)

12- O senhor teve de se documentar sobre a vinda para França de muitos emigrantes ou contou a história de algumas dessas pessoas (talvez familiar?) que vieram a salto? (JG)  

13- O senhor é o personagem Livro? (PR)

14- Porque o senhor decidiu não dar muitas informações sobre a mãe do Ilídio? Ela é a portuguesa de oitenta anos que Livro atropela e mata no final da obra, certo? Acredita neste tipo de coincidências? (MP)

15- O seu romance está repleto de misérias humanas - a filha abusada sexualmente pelo pai, a mãe que abandona o filho de seis anos, a jovem que aborta espontaneamente do namorado e nunca mais reequilibra a sua vida, a Adelaide adúltera, a pedofilia do padre, o neto que atropela e mata fugindo - até parece que o mundo da emigração se reduz a isso. É assim que o vê?



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