I
Uma fronteira é um rio entre um país e o longe.
Eu já passei fronteiras que ficavam
entre guitarra e noite. Entre ternura
e mágoa.
O meu país é uma fronteira violada
entre um pinheiro e a lua. Entre silêncio e pedras.
O meu país é uma fronteira atravessada
por seu sangue nas veias dos seus homens.
O meu país tem coisas singulares:
tem comboios que vão nocturnamente
com meu país entre carvão e lágrimas.
Tem comboios que choram pela noite dentro.
Eu já passei fronteiras que doíam muito.
Como voltar? O meu país ficava entre esta margem
e o longe. Eu já passei fronteiras onde um homem
fica cortado ao meio entre um país e o longe.
Entre um país e o perto. O longe
é não poder passar esta fronteira
é não poder saltar estes dois passos
entre esta margem e o longe ali tão perto.
Canto a raiz do tempo na raiz do espaço.
Ai tempo sem raiz.
(Assim correndo pela Espanha dentro
com mil passos no rasto dos meus passos.)
Quem apaga este rasto? Quem me devolve o espaço?
São de areia estas casas de Castela-a-Velha.
Aqui de pedra só os homens. (Corre automóvel
neste tempo de Espanha: areia que não corre.)
Europa é uma palavra que se aprende viajando-a
é o metro de Paris pela tristeza acima
Europa é este verso que não rima
com meu país à noite no metro de Paris.
II
As cantigas perguntas as cantiga?
Os tempos Georges mudaram muito.
Agora andam de luto Georges andam de luto
as suaves e frescas raparigas.
Canto a raiz do tempo na raiz do espaço.
E os comboios apitam pela noite dentro.
Sou um homem dividido por um verso
atravessado por um rio entre Lisboa e o vento.
Paris: cidade ou boca? Qualquer coisa me engole.
Eu já vos disse que não sou de aqui.
Georges: vem ver o sol
nos olhos do meu povo em Champigny.
Tu nada sabes de quem somos. Fernão
Mendes Pinto viaja ainda em cada
um de nós. Somos o povo da
Peregrinação.
Não a viagem só pela viagem
nem é terra que falta Georges: é pão.
Por isso a nossa peregrinação
por isso estamos de passagem.
Por isso andamos em sentido inverso
o caminho de Santiago. Paregrinos
com Portugal disperso em mil destinos.
E separados nos juntamos verso a verso.
Georges: tu que já foste com António Nobre
ao meu país de marinheiros
anda ver Portugal a um bairro pobre
anda vê-lo em Paris sem mar e sem pinheiros.
Nanterre Saint-Denis Aubervilliers Champigny.
Ai tempo sem raiz.
Eu já vos disse que não sou de aqui.
Nesta noite de Julho sem pátria em Paris.
in O canto e as armas, D. Quixote, 2017, pp. 63-68.
- tradução do poema para francês
Paris
ne rime pas avec mon pays
I
Une
frontière est une rivière entre un pays et le loin.
J’ai déjà
passé des frontières qui se trouvaient
entre guitare
et nuit. Entre tendresse
et douleur.
Mon pays
est une frontière violée
entre un
pin et la lune. Entre silence et pierres.
Mon pays
est une frontière traversée
par son
sang dans les veines de ses hommes.
Mon pays a
des choses singulières :
des trains
qui vont nocturnement
avec mon
pays entre charbon et larmes.
Des trains
qui pleurent dans la nuit.
J’ai déjà
passé des frontières qui faisaient très mal.
Comment
revenir ? Mon pays se trouvait entre cette marge
et le loin.
J’ai déjà passé des frontières où un homme
se trouve
coupé au milieu entre un pays et le loin.
Entre un
pays et le loin. Le loin
est ne pas
pouvoir passer la frontière
est ne pas
pouvoir passer ces deux pas
entre cette
marge et le loin si proche.
Je chante
la racine du temps dans la racine de l’espace.
Oh temps
sans racine.
(Courant
ainsi dans l’Espagne
avec mille
pas dans la trace de mes pas.)
Qui efface
cette trace ? Qui me rend mon espace ?
Sont de
sable ces maisons de Castela-a-Velha.
Ici de
pierre seulement les hommes ? (Roule automobile
dans ce
temps de l’Espagne : sable qui ne roule pas.)
Europe est
un mot qui s’apprend en la voyageant
c’est le
métro de Paris pour la tristesse au-dessus
Europe est
ce vers qui ne rime pas
avec mon
pays la nuit dans le métro de Paris.
II
Les
chansons tu questionnes les chansons ?
Les temps
Georges ont beaucoup changé.
Maintenant
ils se battent Georges ils se battent
Les douces et fraîches filles.
Je chante
la racine du temps dans la racine de l’espace.
Et les
trains sifflent dans la nuit.
Je suis un
homme divisé par un vers
traversé
par une rivière entre Lisbonne et le vent.
Paris :
ville ou bouche ? Quelque chose m’avale.
Je vous ai
déjà dit que je ne suis pas d’ici.
Georges :
vient voir le soleil
dans les
yeux de peuple à Champigny.
Tu ne sais
rien de qui nous sommes. Fernão
Mendes
Pinto voyage encore en chacun
de nous.
Nous sommes le peuple du
Pèlerinage.
Pas le
voyage seulement pour le voyage
ni la terre
qui manque Georges : c’est le pain.
Pour cela
notre pèlerinage
pour cela
nous sommes de passage.
Pour cela
nous marchons dans le sens inverse
le chemin
de Santiago. Pèlerins
avec
Portugal dispersé en mille destinations.
Et séparés
nous rassemblons vers au vers.
Georges :
toi qui est déjà allé avec António Nobre
à mon pays
de marins
vient voir
Portugal comme un quartier pauvre
vient le
voir à Paris sans mer et sans pins.
Nanterre
Saint-Denis Aubervilliers Champigny
Oh temps
sans racine.
Je vous ai
déjà dit que je ne suis pas d’ici.
Dans cette
nuit de Juin sans patrie à Paris.
a) Pesquisar sobre o autor e a sua obra com vista
a uma apresentação de ambos
Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu em Águeda em
Portugal o 12 de maio de 1936. Ele é um escritor e político socialista português.
Estudou na Faculdade de Direito na Universidade de Coimbra. Em 1957, entrou para
o partido comunista e foi um resistente ao regime de Salazar, apoiando o
general Humberto Delgado. A sua oposição é a causa do seu exílio para a Argélia
(durante 10 anos), onde será o dirigente da Frente Patriótica de Libertação
Liberdade.
Os seus dois primeiros livros Praça da Canção (1965) e O
Canto e as Armas (1967) saem censurados mas passarão pelo comércio
clandestino.
Manuel Alegre regressa finalmente a Portugal após o 25
de Abril no dia 2 de Maio de 1974.
Alguns dos seus poemas serão cantados e ficarão como
símbolos da luta pela liberdade. O autor recebeu prémios e as suas obras foram
traduzidas em muitas línguas como o italiano, francês, espanhol, catalão,
alemão, russo e até romeno.
Paris não rima com meu país é um poema onde
se reflete sobre os sentimentos do sujeito lírico a propósito da emigração
portuguesa para França e do que leva os portugueses a deixarem o seu país. O
sujeito lírico mostra que gosta do seu país. Também fala de Paris como uma
cidade estrangeira e repete que não é de lá. O poema é composto por duas partes
onde o sujeito lírico refere várias ideias das quais podemos destacar as que se
seguem: a nostalgia que sente do seu país e o facto de se sentir desenraizado
longe dele; o povo a que pertence deixa o seu país porque não tem o que comer;
os portugueses são peregrinos como o foi um dia Fernão Mendes Pinto; a região
parisiense está cheia de portugueses que deixaram um país onde as condições de
vida são duras.
b) Justificação do título
O título Paris não rima com meu país é um
trocadilho. Paris rima com país, mas para o autor, Paris não rima com país: é
uma metáfora que significa que ele não reconhece a França como sendo o seu país.
c) Identificação da mensagem que o autor pretende
veicular
A mensagem que o autor quer veicular é que toda terra
fora de Portugal, é para ele uma terra estrangeira, “longe”.
d) Identificação das características da emigração
portuguesa
A caraterística própria à emigração portuguesa que há
nesse poema é a saudade do país, de Portugal. Os emigrantes querem frequentemente
voltar para a sua casa portuguesa. Deixaram o país porque não tinham o que
comer. Foram muitas vezes pela noite fora, de comboio.
e) Identificação da atualidade da mensagem
Podemos ver a atualidade deste poema no facto dos
emigrantes portugueses continuarem a deixar Portugal por razões económicas e no
facto de nunca deixarem de pensar nele.
f) Esquematização das ideias da obra
g) Escolher uma imagem caracterizadora da obra, da
sua mensagem, da emigração
h) Elaborar 2 questões sobre
a obra, baseadas no conteúdo do cartaz
1 - O sujeito poético gosta da cidade de Paris?
2 - O sujeito poético gostaria de regressar a Portugal?
1 - O sujeito poético gosta da cidade de Paris?
2 - O sujeito poético gostaria de regressar a Portugal?
LM & RAV
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