"Paris não rima com meu país" de Manuel Alegre (1967)

                                     I

Uma fronteira é um rio entre um país e o longe.
Eu já passei fronteiras que  ficavam
entre guitarra e noite. Entre ternura
e mágoa.

O meu país é uma fronteira violada
entre um pinheiro e a lua. Entre silêncio e pedras.
O meu país é uma fronteira atravessada
por seu sangue nas veias dos seus homens.

O meu país tem coisas singulares:
tem comboios que vão nocturnamente
com meu país entre carvão e lágrimas.
Tem comboios que choram pela noite dentro.

Eu já passei fronteiras que doíam muito.
Como voltar? O meu país ficava entre esta margem
e o longe. Eu já passei fronteiras onde um homem
fica cortado ao meio entre um país e o longe.

Entre um país e o perto. O longe
é não poder passar esta fronteira
é não poder saltar estes dois passos
entre esta margem e o longe ali tão perto.

Canto a raiz do tempo na raiz do espaço.
Ai tempo sem raiz.
(Assim correndo pela Espanha dentro
com mil passos no rasto dos meus passos.)

Quem apaga este rasto? Quem me devolve o espaço?
São de areia estas casas de Castela-a-Velha.
Aqui de pedra só os homens. (Corre automóvel
neste tempo de Espanha: areia que não corre.)

Europa é uma palavra que se aprende viajando-a
é o metro de Paris pela tristeza acima
Europa é este verso que não rima
com meu país à noite no metro de Paris.


                             II

As cantigas perguntas as cantiga?
Os tempos Georges mudaram muito.
Agora andam de luto Georges andam de luto
as suaves e frescas raparigas.

Canto a raiz do tempo na raiz do espaço.
E os comboios apitam  pela noite dentro.
Sou um homem dividido por um verso
atravessado por um rio entre Lisboa e o vento.

Paris: cidade ou boca? Qualquer coisa me engole.
Eu já vos disse que não sou de aqui.
Georges: vem ver o sol
nos olhos do meu povo em Champigny.

Tu nada sabes de quem somos. Fernão
Mendes Pinto viaja ainda em cada
um de nós. Somos o povo da
Peregrinação.

Não a viagem só pela viagem
nem é terra que falta Georges: é pão.
Por isso a nossa peregrinação
por isso estamos de passagem.

Por isso andamos em sentido inverso
o caminho de Santiago. Paregrinos
com Portugal disperso em mil destinos.
E separados nos juntamos verso a verso.

Georges: tu que já foste com António Nobre
ao meu país de marinheiros
anda ver Portugal a um bairro pobre
anda vê-lo em Paris sem mar e sem pinheiros.

Nanterre Saint-Denis Aubervilliers Champigny.
Ai tempo sem raiz.
Eu já vos disse que não sou de aqui.

Nesta noite de Julho sem pátria em Paris.


in O canto e as armas, D. Quixote, 2017, pp. 63-68.

  •  tradução do poema para francês

Paris ne rime pas avec mon pays



I



Une frontière est une rivière entre un pays et le loin.

J’ai déjà passé des frontières qui se trouvaient

entre guitare et nuit. Entre tendresse

et douleur.



Mon pays est une frontière violée

entre un pin et la lune. Entre silence et pierres.

Mon pays est une frontière traversée

par son sang dans les veines de ses hommes.



Mon pays a des choses singulières :

des trains qui vont nocturnement

avec mon pays entre charbon et larmes.

Des trains qui pleurent dans la nuit.



J’ai déjà passé des frontières qui faisaient très mal.

Comment revenir ? Mon pays se trouvait entre cette marge

et le loin. J’ai déjà passé des frontières où un homme

se trouve coupé au milieu entre un pays et le loin.



Entre un pays et le loin. Le loin

est ne pas pouvoir passer la frontière  

est ne pas pouvoir passer ces deux pas

entre cette marge et le loin si proche.



Je chante la racine du temps dans la racine de l’espace.

Oh temps sans racine.

(Courant ainsi dans l’Espagne

avec mille pas dans la trace de mes pas.)



Qui efface cette trace ? Qui me rend mon espace ?

Sont de sable ces maisons de Castela-a-Velha.

Ici de pierre seulement les hommes ? (Roule automobile

dans ce temps de l’Espagne : sable qui ne roule pas.)



Europe est un mot qui s’apprend en la voyageant

c’est le métro de Paris pour la tristesse au-dessus

Europe est ce vers qui ne rime pas

avec mon pays la nuit dans le métro de Paris.



II



Les chansons tu questionnes les chansons ?

Les temps Georges ont beaucoup changé.

Maintenant ils se battent Georges ils se battent

Les douces et fraîches filles.



Je chante la racine du temps dans la racine de l’espace.

Et les trains sifflent dans la nuit.

Je suis un homme divisé par un vers

traversé par une rivière entre Lisbonne et le vent.



Paris : ville ou bouche ? Quelque chose m’avale.

Je vous ai déjà dit que je ne suis pas d’ici.

Georges : vient voir le soleil

dans les yeux de peuple à Champigny.



Tu ne sais rien de qui nous sommes. Fernão

Mendes Pinto voyage encore en chacun

de nous. Nous sommes le peuple du

Pèlerinage.



Pas le voyage seulement pour le voyage

ni la terre qui manque Georges : c’est le pain.

Pour cela notre pèlerinage

pour cela nous sommes de passage.



Pour cela nous marchons dans le sens inverse

le chemin de Santiago. Pèlerins

avec Portugal dispersé en mille destinations.

Et séparés nous rassemblons vers au vers.



Georges : toi qui est déjà allé avec António Nobre

à mon pays de marins

vient voir Portugal comme un quartier pauvre

vient le voir à Paris sans mer et sans pins.



Nanterre Saint-Denis Aubervilliers Champigny

Oh temps sans racine.

Je vous ai déjà dit que je ne suis pas d’ici.



Dans cette nuit de Juin sans patrie à Paris.




a)      Pesquisar sobre o autor e a sua obra com vista a uma apresentação de ambos

Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu em Águeda em Portugal o 12 de maio de 1936. Ele é um escritor e político socialista português. Estudou na Faculdade de Direito na Universidade de Coimbra. Em 1957, entrou para o partido comunista e foi um resistente ao regime de Salazar, apoiando o general Humberto Delgado. A sua oposição é a causa do seu exílio para a Argélia (durante 10 anos), onde será o dirigente da Frente Patriótica de Libertação Liberdade.
Os seus dois primeiros livros Praça da Canção (1965) e O Canto e as Armas (1967) saem censurados mas passarão pelo comércio clandestino.
Manuel Alegre regressa finalmente a Portugal após o 25 de Abril no dia 2 de Maio de 1974.
Alguns dos seus poemas serão cantados e ficarão como símbolos da luta pela liberdade. O autor  recebeu prémios e as suas obras foram traduzidas em muitas línguas como o italiano, francês, espanhol, catalão, alemão, russo e até romeno.

Paris não rima com meu país é um poema onde se reflete sobre os sentimentos do sujeito lírico a propósito da emigração portuguesa para França e do que leva os portugueses a deixarem o seu país. O sujeito lírico mostra que gosta do seu país. Também fala de Paris como uma cidade estrangeira e repete que não é de lá. O poema é composto por duas partes onde o sujeito lírico refere várias ideias das quais podemos destacar as que se seguem: a nostalgia que sente do seu país e o facto de se sentir desenraizado longe dele; o povo a que pertence deixa o seu país porque não tem o que comer; os portugueses são peregrinos como o foi um dia Fernão Mendes Pinto; a região parisiense está cheia de portugueses que deixaram um país onde as condições de vida são duras.


b)     Justificação do título

O título Paris não rima com meu país é um trocadilho. Paris rima com país, mas para o autor, Paris não rima com país: é uma metáfora que significa que ele não reconhece a França como sendo o seu país. 

c)      Identificação da mensagem que o autor pretende veicular

A mensagem que o autor quer veicular é que toda terra fora de Portugal, é para ele uma terra estrangeira, “longe”.


d)     Identificação das características da emigração portuguesa 

     A caraterística própria à emigração portuguesa que há nesse poema é a saudade do país, de Portugal. Os emigrantes querem frequentemente voltar para a sua casa portuguesa. Deixaram o país porque não tinham o que comer. Foram muitas vezes pela noite fora, de comboio.
 
e)      Identificação da atualidade da mensagem

      Podemos ver a atualidade deste poema no facto dos emigrantes portugueses continuarem a deixar Portugal por razões económicas e no facto de nunca deixarem de pensar nele.

f)       Esquematização das ideias da obra


g)      Escolher uma imagem caracterizadora da obra, da sua mensagem, da emigração
h)     Elaborar 2 questões sobre a obra, baseadas no conteúdo do cartaz 

1 - O sujeito poético gosta da cidade de Paris?
2 - O sujeito poético gostaria de regressar a Portugal?


LM & RAV

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