"Vão-se os homens desta terra" de Manuel Alegre (1967)


Vão-se os homens desta terra.
Aqui fumavam seu tabaco
aqui esperavam desesperavam
aqui bebiam seu vinho
tinham suas mulheres. Batiam-lhes. Amavam-nas
com o corpo mais que com palavras
com ternura com raiva
que são assim os homens desta terra:
tão fundo é o seu amor que com amor magoam.
Aqui plantavam hortas vinhas fábricas.
Alguns fizeram filhos. Outros amaram suas cabras
entre pedras e noite.
Alguns nunca colheram
aquela que cheirava
a flor de laranjeira.

Para que a terra fosse verde
as mãos envelheceram:
ficaram da cor da terra
ficaram da cor do vento.

Aqui moravam.
Fluíam no fluir das estações.
Com seus arados lavravam
ternamente ferozmente
assim como quem ama
assim como quem morre
Gota a gota espiga a espiga.

Aqui plantavam esperavam
chuva a chuva sol a sol.
E em cada espiga floriam
as mãos dos homens.
E as mãos dos homens ficavam
cada vez mais cheias
de nada.

Aqui viviam morriam. Tinham suas mulheres
suas tabernas seus adros
seus ódios e seus amores.
Aqui às vezes matavam.
Por uma vaca. Uma galinha. Água. Desespero.
Por uma coisa de nada:
às vezes por uma vaca
às vezes por uma rosa.

Vieram primeiro da montanha e da planície
partiram para dentro das cidades.
E as cidades cresceram.
Em Lisboa morreram caravelas.
Pedra a pedra floriu Lisboa
com suas casas e avenidas.

E as mãos dos homens foram fábricas sabão cimento.
As mãos dos homens produziram capitais.
Circularam morreram floriram.
Foram fechadas em grandes cofres. Investidas.
Exportadas.
E o Tejo encheu-se de navios.
E os navios levavam as mãos dos homens.
E as mãos dos homens ficavam
cada vez mais cheias
de nada.

Vão-se os homens desta terra.
Ficam cabras sem pastores
ficam terras sem seus donos.
Fica no ar um soluço
na parede uma guitarra.
Às vezes uma espingarda.
E nas mãos das mulheres
Ficam sombras sombras sombras
Às vezes uma rosa.
Às vezes coisas nenhuma.

Vão-se os homens desta terra.

Já suas mãos foram vinhas
foram cidades navios.
Domaram corpos morenos
às vezes umas guitarras
às vezes eram navalhas.

Plantaram filhos batatas
por cada espiga sangraram
ficaram por cada espiga
às vezes da cor da terra
às vezes da cor do vento.
E de tudo o que plantaram
as mãos dos homens colheram
sombras sombras sombras
Às vezes uma rosa.
Às vezes coisas nenhuma.

E as mãos dos homens ficavam
cada vez mais cheias
de nada.
E a minha pátria ficava
cada vez mais cheia
de sombras.

Vão-se os homens desta terra.

Já não tinham que perder
já não tinham que deixar.
Ficam sombras sombras sombras.



in O canto e as armas, D. Quixote, 2017, p. 57-60.
  •  tradução do poema para francês

Ils s’en vont les hommes de cette terre.

Ici ils fumaient leur tabac

ici ils espéraient désespéraient

ici ils buvaient leur vin

ils avaient leurs femmes. Ils les battaient. Ils les aimaient

avec le corps plus qu’avec les mots

avec tendresse avec colère

ainsi sont les hommes de cette terre :

si profond est leur amour qu’ils leurs font du mal avec l’amour.

Ici ils plantaient des jardins vignes usines.

Certains ont fait des enfants. D’autres ont  aimé leurs chèvres

entre pierres et nuit.

Certains n’ont jamais cueillis

celle qui sentait

la fleur d’oranger



Pour que la terre fut verte 

les mains ont vieilli :

elles restèrent de la couleur de la terre 

elles restèrent de la couleur du vent.



Ici ils vivaient.

Ils coulaient dans les saisons.

Avec leurs charrues ils labouraient

tendrement et farouchement

ainsi comme celui qui aime

ainsi comme celui qui meurt

goute à goute épi à épi.



Ici ils cultivaient espéraient

Pluie à pluie soleil à soleil

Et dans chaque épis fleurissaient

les mains des hommes.

Et les mains des hommes étaient

de plus en plus pleines

de rien.



Ici ils vivaient mouraient. Ils avaient leurs femmes

leurs tavernes et leurs parvis

leurs haines et leurs amours.

Ici parfois ils tuaient.

Pour une vache. Une poule. De l’eau. Désespoir.

Pour un petit rien :

parfois pour une vache

parfois pour une rose.



Ils venaient d’abord des montagnes et des plaines

ils sont partis vers les villes.

Et les villes ont grandis.

À Lisbonne des caravelles sont mortes.

De pierre en pierre Lisbonne a fleuri

Avec ses maisons et ses avenues.
 
Et les mains des hommes furent usines savon ciment.

Les mains des hommes  ont créé des capitaux.

Elles ont circulé, elles sont mortes elles ont fleuri.

Elles ont été fermées dans de grands coffres. Investies.

Exportées.

Et le Tage a été rempli de navires.

Et les navires ont emporté les mains des hommes.

Et les mains des hommes étaient

de plus en plus pleines

de rien.

Ils s’en vont les hommes de cette terre.

Il reste des chèvres sans bergers

il reste des terres sans propriétaire.

Il reste dans l’air un sanglot

sur le mur une guitare

Parfois une arme à feu.

Et dans les mains des femmes

il reste des ombres ombres ombres

Parfois une rose.

Parfois rien.



Ils s’en vont les hommes de cette terre.



Déjà leurs mains ont été des vignes

ont été des villes navires.

Ils ont  apprivoisé des corps bronzés

parfois des guitares

parfois des couteaux de poche.



Ils ont cultivé des fils pommes de terre

pour chaque épis ils ont saigné

ils sont restés pour chaque épis

parfois de la couleur de la terre

parfois de la couleur du vent.

Et pour tout ce qu’ils ont cultivé

les mains des hommes ont cueilli

Ombres ombres ombres

Parfois une rose.

Parfois rien du tout.



Et les mains des hommes étaient

de plus en plus pleines

de rien.

Et ma patrie était

encore plus pleine

d’ombres



Ils s’en vont les hommes de cette terre.



Ils n’avaient plus rien à perdre

plus rien à laisser

Il reste des ombres ombres ombres.
  

Justificação do título
O sujeito lírico descreve os momentos migratórios do seu povo ao longo dos tempos. Primeiro deixou-se o campo pela cidade, por vezes embarcou-se em caravelas, outras vezes trabalhou-se na indústria em torno das cidades. A vida dessas gentes foi sempre marcada pela dureza e pelo sofrimento, físico e humano. São sempre vidas que nada tinham a perder porque nada possuíam. Hoje o país do sujeito lírico está vazio, cheio de sombras.

Identificação da mensagem que o autor pretende veicular 
O autor leva-nos a refletir sobre o sofrimento que está atrás da emigração do seu povo que vai desertando o seu país.

Identificação das características da emigração portuguesa
A emigração portuguesa que surge referida neste texto está marcada pelo trabalho duro e sofrido. Emigra-se porque se vive mal economicamente no seu país.

Identificação da atualidade da mensagem
Ainda hoje há portugueses que emigram para melhorar as suas condições de vida que pioraram com a crise de 2008 e o aumento do desemprego. 

Esquematização das ideias da obra


g)      Escolher uma imagem caracterizadora da obra, da sua mensagem, da emigração

h)     Elaborar 2 questões sobre a obra, baseadas no conteúdo do carta
1- Os emigrantes portugueses partem com um contrato de trabalho?
2- Em Portugal os emigrantes deixam os seus bens?
MT & VG

Sem comentários:

Enviar um comentário