"Vai-se o canto vão-se as armas" de Manuel Alegre (1967)

Não sei se as pedras andam.
Mas o meu país é pedra
e anda. Desloca-se. Foge
Pula ribeiros nas pernas
do povo. Salta fronteiras 
nas minhas pernas. Rasteja.
Nada. Esconde-se. Atravessa
montanhas. Desaparece. 
Disfarça-se. O meu país
deixou de ser país. É
qualquer coisa que caminha. 
Que se procura. Saudade 
de ser Pátria. País em
movimento. País sem 
chão. Assim cortado 
pela raiz o meu país
é feito de dois países: 
um é dono o outro não. 
Fica o dono e vai-se o outro.
O que se fica tem tudo
o que se vai nada tem: 
nem terra para ficar
nem licença para ir. 
O meu país não é dono. 
Não tem licença de nada. 
País clandestino. Pedra 
ambulante. Chão que sangra.
Que caminha. Pula 
ribeiros. Corre. Derrama-se.
E vai-se com ele a força
a guitarra a pena a foice. 
Vai-se o canto. Vão-se as armas.


in O canto e as armas, D. Quixote, 2017, pp. 55-56.

  •  tradução do poema para francês
«Le chant s’en va les armes s’en vont»


Je ne sais pas si les pierres marchent.
Mais mon pays est une pierre
et marche. Se déplace. Fuit.
Saute des ruisseaux  sur les jambes
du peuple. Saute des frontières
sur mes jambes. Rampe.
Rien. Se cache. Traverse
des montagnes. Disparait.
Se déguise. Mon pays
a arrêté d’être un pays. C’est
quelque chose qui marche.
Qui se cherche. La nostalgie
d’être Patrie. Pays en
mouvement. Pays sans
sol. Ainsi coupé
par la racine  mon pays
est fait de deux pays :
l’un est propriétaire et l’autre ne l’est pas.
Le propriétaire reste et l’autre s’en va.
Celui qui reste a tout
celui qui s’en va n’a rien:
ni terre pour rester
ni permission pour partir.
Mon pays n’est pas propriétaire.
Il n’a aucune permission.
Pays clandestin. Pierre
ambulante. Sol qui saigne.
Qui marche. Saute
de s rivières. Coure. Se renverse.
Et il emporte avec lui la force,
a guitare, la plume et la faux.
Le chant s’en va. Les armes s’en vont. 


***

Justificação do título
     A poesia de intervenção do poeta, deste sujeito lírico, é referida metaforicamente como canto e como "armas": como canto porque a poesia pela forma como está escrita aproxima-se da música; como armas porque a poesia de intervenção pretende nitidamente lutar contra os donos que ficam no país (os ditadores) e alertar para o facto de haver muitos 'não donos do país' que deixam este.

Identificação da mensagem que o autor pretende veicular 

     Este poema mostra na sua mensagem que este país não é só uma terra, mas é um ser vivo muitos dos que moram nele tiveram que emigrar clandestinamente porque nada tinham de seu, viviam pobremente, contrariamente ao outro grupo de pessoas no poder, os "donos". O sujeito lírico denuncia essa situação desequilibrada.


Identificação das características da emigração portuguesa 

    A emigração portuguesa para França caracterizou-se, no século passado, pelas viagens feitas em situações complicadas, dentro da ilegalidade (deviam esconder-se da polícia, vinham carregados, as viagens faziam-se à noite em condições difíceis – viajava-se com os passadores apertados em barcos ou em camiões). Essa emigração portuguesa para França foi causada pela ditadura salazarista que durou quase quarenta anos. Muitos portugueses viram a França como uma tábua de salvação económica. Tudo isso se percebe neste poema de Manuel Alegre.


Identificação da atualidade da mensagem 
    A mensagem do poema não perdeu atualidade na medida em que continua a haver emigração com destino a França com origem em países que vivem situações políticas parecidas com a que se viveu em Portugal. Relativamente a Portugal, a ditadura fascista desapareceu, mas hoje volta a haver problemas económicos que levam à emigração para França.

Esquematização das ideias da obra

Escolher uma imagem caracterizadora da obra, da sua mensagem, da emigração
https://s5.postimg.cc/xe0sdtjtz/ribeira-da-Isna-Charco-Serta.jpg, 10:12, 10-6-2019.

h)     Elaborar 2 questões sobre a obra baseadas no conteúdo do cartaz
1- O sujeito lírico considera que o seu país está dividido em dois grupos de pessoas?
2- O país referido no poema é personificado?

FC & VF

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