"Lusíada Exilado" de Manuel Alegre (1967)


Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um país neste país que levo.
Sou este povo que a si mesmo se desterra
meu nome são três sílabas de trevo.

Há nevoeiro em mim. Dentro de abril dezembro.
Quem nunca fui é um grito na memória.
E há um naufrágio em mim se de quem fui me lembro
há uma história por contar na minha história.

Trago no rosto a marca do chicote.
Cicatrizes as minha condecorações.
Nas minhas mãos é que é verdade D. Quixote
trago na boca um verso de Camões.

Sou este camponês que foi ao mar
lavrou as ondas e mondou a espuma
e andou achando como a vindimar
terra plantada sobre o vento e a bruma.

Sou este marinheiro que ficou em terra
lavrando a mágoa como se lavrar
não fosse mais do que a perdida guerra
entre o não ser na terra e o ser no mar.

Eu que parti e que fiquei sempre presente
eu que tudo mandava e nunca fui senhor
eu que ficando estive sempre ausente
eu que fui marinheiro sendo lavrador.

Eu que fiz Portugal e que o perdi
em cada porto onde plantei o meu sinal.
Eu que fui descobrir e nunca descobri
que o porto por achar ficava em Portugal.

Eu que matei roubei eu que não minto
se vos disser que fui pirata e ladrão.
Eu que fui como Fernão Mendes Pinto
o diabo e o deus da minha peregrinação.

Eu que só tive restos e migalhas
e vi cobiça onde diziam haver fé.
Eu que reguei de sangue os campos das batalhas
onde morria sem saber porquê.

Eu que trago no corpo a marca do chicote
eu que trago na boca um verso de Camões
eu é que sou capaz de ser o D. Quixote
que nunca mais confunda moinhos e ladrões.

Eu que fiz tudo e nunca tive nada
eu que trago nas mãos o meu país
eu que sou esta árvore arrancada
este lusíada sem pátria em Paris.

in O canto e as armas, D. Quixote, 2017, pp. 85-87.
                                  
  •  tradução do poema para francês
LUSIADE EXILE


Ni batailles ni paix: guerre obscure.

J’ai mal au pays dans ce pays que j’emmène.

Je suis ce peuple qui se déterre soi-même

mon nom sont trois syllabes de trèfle.



Il y a du brouillard en moi. Dans Avril Décembre.

Celui que je n’ai jamais été est un cri de mémoire.

Et il y a un naufrage en moi si de celui que j’ai été je me rappelle

il y a une histoire à raconter dans mon histoire.



J’ai sur le visage la trace du fouet.

Cicatrices mes souvenirs.

Dans mes mains est la vérité D. Quixote

j’ai dans la bouche un vers de Camões.



Je suis ce paysan qui est allé à la mer

a labouré les vagues et arraché la mousse

trouvant comment la récolter

terre plantée sur le vent et la brume.



Je suis ce marin qui est resté sur terre

labourant la peine comme si labourer

ne fût pas plus que la guerre perdue

entre le ne pas être sur terre et l’être sur la mer.





Moi qui suis parti et qui suis toujours resté présent

moi qui commandait tout et qui n’ai jamais été seigneur

moi qui resté j’ai toujours été absent

moi qui ait été marin en étant paysan.



Moi qui ait fait le Portugal et qui l’ait perdu

à chaque port où j’ai planté mon signal.

moi qui suis allé découvrir et n’ait jamais découvert

que le port à trouver était au Portugal.



Moi qui ait tué volé moi qui ne mens pas

si je vous dit que j’ai été pirate et voleur

Moi qui ait été comme Fernão Mendes Pinto

le diable et le dieu de mon pèlerinage.



Moi qui n'ai eu que des restes et des miettes

et vu cupidité où on disait avoir de la foi.

Moi qui ai arrosé de sang les champs des batailles

où je mourrais sans savoir pourquoi.



Moi qui ai sur le corps la marque du fouet

moi qui ai dans la bouche un vers de Camões

moi qui suis capable d'être D. Quixote

que je ne confonde plus jamais moulins et voleurs.



Moi qui ai tout fait et n'a jamais rien eu

moi qui amène dans les mains mon pays

moi qui suis cet arbre arraché

ce lusíade sans patrie à Paris
 


***


b)     Justificação do título
O poema intitula-se “Lusiada Exilado”. Este nome define o estado do eu lírico e o que ele sente. Estando longe do seu país, sente-se sozinho e isolado do seu povo. Isolamento que ele mesmo quis e escolheu, mas por obrigação, visto que com a ditadura a dirigir Portugal, teve de exilar-se no estrangeiro, (o poete teve de exilar-se na Argélia para fugir à PIDE e este poema parece inspirar-se diretamente da vida pessoal de Manuel Alegre).
 
c)      Identificação da mensagem que o autor pretende veicular

Este poema tem 11 quadras com rimas cruzadas. Neste poema, o sujeito poético fala da sua emigração e do consequente afastamento de Portugal. O sujeito poético está em Paris e enumera diferentes etapas importantes da História de Portugal.

O poeta quer talvez veicular como mensagem o facto de ter emigrado tantas vezes que chega a comparar cada viagem feita por si às navegações de Fernão Mendes Pinto. “Eu que fui descobrir e nunca descobri / que o porto por achar ficava em Portugal.” Após todas estas viagens dá-se conta que o único destino onde quer chegar é Portugal.



d)     Identificação das características da emigração portuguesa
     As características da emigração portuguesa neste poema são próprias de uma emigração forçada, para fugir das autoridades políticas e do regime ditatorial que controlava o país e punia aqueles que discordavam dele. Assim todos os que se sentiam em perigo de serem apanhadas pela PIDE, emigravam para outros países, a maioria não conhecia nada nem ninguém o que provocava nos emigrantes um isolamento dessas pessoas e uma profunda saudade do seu país de origem.


e)      Identificação da atualidade da mensagem

     Atualmente continua haver pessoas que emigram de barco para fugirem dos seus países como os refugiados sírios por motivos políticos e bélicos. O poema mantem a sua atualidade, não para a emigração portuguesa, mas sim para a emigração oriunda de outros países como mostrámos ao referir o exemplo da emigração síria.
 

f)       Esquematização das ideias da obra 

g)      Escolher uma imagem caracterizadora da obra, da sua mensagem, da emigração
h)     Elaborar 2 questões sobre a obra, baseadas no conteúdo do cartaz.

      1 - O sujeito poético está em Paris?
      2 - O sujeito poético refere aspetos da História de Portugal?

PR & RS

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